Nesses quatro anos, dentro do curso,
que espero dentro de poucos meses concluir, discutimos e vivenciamos práticas e
assuntos variados. Muito do que eu entendia por dança foi desconstruído e
outros aspectos agregados.
Por nunca ter me relacionado tão
diretamente com a arte da dança, vim parar no Tatá, para me reconhecer corporalmente.
Já que sempre nos foi dito que licenciado deveria ter vivências corporais
distintas.
Ouvi discursos inflamados, de levar a
dança para a escola, uma dança democrática, que abranja a todos sem
distinção. Com o passar do tempo fui
acreditando ser possível, essa nova dança acontecer. Mas como o papel aceita
tudo e através da palavra podemos proferir qualquer discurso. Tudo é possível
nessas condições. Na prática é diferente.
Nesses meses em que o Tatá passou por
várias escolas, deparamo-nos com a realidade, nua e crua. Dificuldades físicas,
de entendimento do que lá fomos fazer, do desentendimento sobre qual dança o
Tatá faz. Não é difícil entender esse
“não entender”, se dentro do próprio curso, algumas vezes, visualizamos essa
não clareza, essas tensões constantes. Essas cordialidades forçadas...
De tantas vezes me questionaram começo a ficar
em dúvida, que dança é essa que o Tatá faz? Desorganizada, no meio do caos,
bailarinos despreparados (despreparados não! Temos duas aulas por semana de
preparação corporal, desde o ano passado com a professora Silvia).
Que motivo leva alguém a participar de um
grupo que viaja no caos, incomoda-se todos os dias com ônibus, figurino (se é
que se pode chamar de figurino, é o que às vezes ouvimos), reunião na ida (para
a escola!), reunião na vinda (da escola!), reunião por telefone, por email, por
carta, sinal de fumaça, torrar no sol atrás de orçamentos, afundar o caminho da
reitoria, preencher muuuitos papéis e ainda, na hora da correria, ensaiar das
oito da manhã, até as dez da noite. Muitos chegam, quase, faltando pedaços no
dia da apresentação. E, no último minuto, a coreografia ainda pode ser
modificada ao sabor da vontade da coreógrafa?
Que grupo é esse que talvez nunca
vislumbre a possibilidade de galgar postos mais altos (eu não sei quais são),
pois aqui tudo é caos, e as pessoas “de bem” não entendem essa dança. Coisa de
quem viaja!
Qualquer um dentro do curso de dança
que tenha passado, no mínimo, pelo segundo semestre sabe quem são os bambambãs
da dança no Brasil. E que toda a dança é bem vinda (em teoria, é claro!). Sabem
que passar por uma oficina com uma dessas figuras é motivo de status no
currículo.
O aluno mais atento também perceberá,
que se juntarmos todas essas pesquisadoras conceituadas, a base é muito
parecida. Muda uma vírgula aqui, outra ali... Foi como senti vendo a oficina onde estavam,
Luciana Paludo, Eva Schul (neste último final de sema em POA) entre outras.
Percebendo que essas pessoas são gente como a gente.
No festival de Joinville em 2010 tive
essa mesma sensação nas oficinas, me sentindo em sala de aula fazendo
atividades muito próximas as que estamos acostumados no curso.
Se todos(as) bebem de fontes parecidas, porque lá fora (da UFPEL)
fazem tanto sucesso? Penso que é porque
santo de casa não faz milagres.
Estou farta de escutar sempre as
mesmas exclamações: Quando vão fazer coisas que as pessoas entendam!!! E o que
as pessoas entendem? E o que querem entender?
Será que para ficar “famosa” tenho que fazer coisas que as “pessoas
entendam”. E o que é ser famosa?
Talvez nossa coreógrafa precise fazer
cursinho de coisas “normais”.
Já imaginou se não existissem pessoas
anormais, o que seria de mim?
E para quem me faz essas questões
sempre que me vê, respondo o seguinte:
- Eu gosto de estar aqui. Não tenho uma maquiagem pela manhã, uma a
tarde, outra a noite. Nos três horários uso a mesma. Às vezes, na troca,
podemos nos perder.
- Não tenho pretensão de ser estrela,
galgar postos dentro da universidade, até porque ainda não criaram o cargo de
“Primeira.” (de segunda eu não aceito!).
- Eu me divirto muito!!! E como diz o
nosso ex-colega Vagner, temos que nos sentir felizes! E quando estou aqui, é
assim que me sinto.
- Não tenho que provar nada para
ninguém, a não ser para mim mesma.
-
Choro muito!! Aqui eu posso chorar, quantas vezes forem necessárias (muitas
vezes de rir).
- Quando as coisas vão mal, a gente
discute a relação. Todos temos língua e olhos. Então olhamos nos olhos da pessoa e
falamos!!! Ou pelo menos tentamos. Simples. Sem cursinho!! E depois fica tudo
bem, até o próximo problema. Mas a gente nunca esquece “tem que ser nos olhos”.
Se falar em outro lugar tá fora do jogo!!
- Aqui é de bom tom falar a palavra
Merda! (normalmente acadêmico não pode falar.)
- Outra novidade! Estamos
resignificando a palavra GRUPO. É um modo GRUPO de ser Tatá. Exercício diário,
difícil e dolorido, desalojar-se para compartilhar com o outro. Descer do
salto!
- Aqui não tem a árvore da frente, e
quando aparece alguma querendo crescer, a gente corta pela raiz!
- Não preciso achar tudo lindo, o que,
aliás, muito do que os meus colegas entendem como maravilhoso eu não vejo
assim. Isso é legal! Os meus sentimentos são diferentes.
- As pessoas que fazem parte do Tatá, são
como as nossas sacolas. Umas são maiores, outras menores, umas estão
desgastadas, outras o tecido está bem novinho! Ninguém dá nada por elas, mas
quando vai ver tem uma grande surpresa. Pois é! Que bom que somos muito diferentes.
Que bom que aqui não tem forma. O que temos em comum é acreditar.
- Tenho direito a não ter me sentido
bem nesta ou naquela apresentação!! E de vez em quando, se o GRUPO decidir
podemos mudar o rumo das decisões. (Estamos aprendendo ainda!)
- Podemos, ou tentamos ser honestos com
nós mesmos.
- Tenho o direito de me perguntar todos
os dias: O que eu estou fazendo aqui? Acredito nesse projeto, ou estou só de
passagem, fazendo “carreira”?
- E se é tão ruim, porque incomoda
tanto? E se eu me enganar? E se isso não for dança? E se amanhã eu errar a
fala? E se o espaço for pequeno demais? E
se a Evelyn não aparecer?
Amanhã
é dia de mais uma escola, certamente voltarei com um milhão de dúvidas, porque
todas as manhãs (não são todas as madrugadas..) o que mais temos são dúvidas.
O meu maior medo é que um dia eu
acorde e nós, do Tatá, tenhamos nos transformados em pessoas normais!
Hoje estou feliz. Amanhã eu não sei.
Gessi
Konzgen