quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Será que o universo que tu queres é o mesmo que o meu?


Cheiro de despedida. O dia de ontem tinha esse cheiro; a sensação nostálgica permeava o ambiente. A Praça de Pinheiro Machado ficou inundada com esse cheiro. É o fim de um ciclo e outro já está pra iniciar, e por melhor que vá ser (com certeza será) ainda resta à nostalgia de um ano corrido como esse. Passamos por muitas cidades, muitas escolas e teatros com o Dança Simões, e agora, agora ele se finda. Não é por completo, claro que não, pois ele está vivo dentro de cada um de nós. Cada cena, cada passo, cada agradecimento está inerente em nós, e ficará sempre.
            Ontem presenciei pela primeira vez a sensação de ser desrespeitada pelo público, mas mais do que ser desrespeitada, vi no público a nossa maior crítica do espetáculo; a sociedade ocidental machista consumista capitalista que inundou o teatro. Em uma das cenas mais fortes, a meu ver, vi o público quase que se levantando e aplaudindo em pé o estupro. Como se ele fosse algo que devesse existir. Como se nós, seres humanos, tivéssemos o direito de intervir e desrespeitar o corpo e os limites de outros seres humanos. Vi a Andressa gritar e chorar no palco, sem mentira nenhuma, sem exagero nenhum, estapeando cada um que ousou zombar da cena. Vi ela assumir o papel mais difícil que o ator pode assumir, o mais verdadeiro, sem sombra de dúvida, mas mais cruel para ela. Me senti violada, estuprada como ela na cena. Tive vontade de cancelar tudo, parar a apresentação e dizer, aos berros, como os seres humanos são escrotos. Mas não o fiz. Deixei que a Andressa jogasse na cara deles quão ruins eles são e ela me mostrou, com essa atitude, que o mundo não é tão escroto quanto essa parcela de população demonstrou ser.
            Então, ontem, vi também que o espetáculo choca e incomoda as pessoas. Nós incomodamos essa população quando fizemos a nossa crítica, eles nos responderam de forma infantil e baixa, mas nós mostramos. Cumprimos o nosso papel e deixamos no ar a crítica. Pode ser que tudo tenha entrado por um ouvido e saído pelo outro, que nada que fizemos tenha, de fato, sido valioso para eles. Mas nós causamos o choque. A arte causa o choque, esse é o seu maior papel político-social. Saí e saio de cabeça erguida e acreditando mais ainda na arte na necessidade que ela se faz ter no mundo. “Nós só sentimos falta daquilo que existe” diz uma grande professora e amiga que tenho.
            O cheiro da despedida ainda inunda o ambiente. Nos despedimos do Dança Simões nesse contexto, e não haveria melhor maneira de encerrarmos esse ciclo se não dessa forma, provando o quão revelador ele é, o quão os contos de Simões Lopes ainda são presentes em nossa sociedade e quanto é preciso ter arte e fazer arte, para que, através dessa linguagem, possamos educar o mundo sensivelmente e quem sabe, mudá-lo. 


Letícia Lupinacci

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