segunda-feira, 14 de junho de 2010

Impressões...

Falarei sobre minhas impressões neste dia de experimentações.

Mesmo com dores na coluna, após um torcicolo de uma noite mal dormida, encarei o ensaio normalmente. Após a Maria ter nos sugerido a experimentação dos movimentos de gaiteiro, no rítmo da música, construídos a partir de nossos referenciais corpóreos, comecei a pensar em como transformar esta gaita imaginária no meu corpo todo.

Neste sentido, o fato de estarmos usando os chapéus, nos dava um aspecto de máscara neutra que possibilitava buscar a expressão daquelas ações com o corpo inteiro.

Ao experimentar os movimentos, compreendi fisicamente aos poucos como será esse processo de desenvolvimento deste arlequim gaudério que a Maria está nos propondo.

Pouco a pouco a gaita ia criando uma textura, um peso, uma cor e o contato dela fazia com que eu percebesse meu corpo como um todo orgânico, não fragmentado, mas todo em movimento, vivo, pulsante. Apesar de estarmos recém no ínício do trabalho, já percebo uma ótima oportunidade para mergulharmos nas possibilidades físicas que nossos corpos nos oferecem, no intuito de criar algo passível de sensibilizar de alguma forma a quem assista.

Vagner Vargas

Vivências marcadas nos corpos...



Pelotas, 14 de junho de 2010

Mais um ensaio do Tatá...

Vivências marcadas no corpo...

Memórias corporais que dançam...

A partir da experiência de uma das atrizes-bailarinas, a Denise, o grupo tem experimentado a dança “chula”... Hoje ao som de uma música gaúcha, os atores-bailarinos vivenciavam os sapateios dessa dança. As batidas marcadas pelos pés procuravam atingir as batidas ritmadas da música. Apropriações minuciosas do corpo, uma relação de movimento-tempo com muita sonoridade, sons provocados pelo corpo... Ou melhor, uma percussão corporal na estética da cultura gaúcha.

Após essas experimentações, a coreógrafa Maria, distribui chapéus a todos fazendo referência ao chapéu do "Borguetinho", assim todos ajustam o acessório nas suas cabeças e observam uns aos outros. Logo a coreógrafa diz: "Vamos imaginar que nós temos uma gaita, e façamos nela movimentos curtos e amplos..."

Vão todos para o fundo da sala e preparam seus corpos para a ação provocada pela fala de Maria, coloca-se uma música marcada pelo som da gaita, e assim, os movimentos são improvisados de maneiras muito singulares.

A coreógrafa intervém: "entrem na música com a gaita"... Logo após acrescenta: "quanto mais trabalharem a oposição melhor!"

Os corpos dos atores-bailarinos se colocam em cena com mais intensidade, transformações de ritmo, postura, esforços... Acontece aí a fusão da gaita com o corpo, o instrumento imaginado passa a ser uma extensão do corpo.

Um corpo de ação, com inesgotáveis movimentos que surgem do som que afeta cada músculo. Sobressaem-se as oposições do movimento de abrir x fechar, de tensionamento e relaxamento. E quando esse esforço parece se atenuar, Maria reforça: "Se vocês esquecerem que estão com a gaita, perde toda a dramacidade..." Vamos novamente... Mais um exercício e na repetição da cena, a possibilidade de fazer algo diferente do que se fez antes. Maria lembra a todos: "O movimento tem que partir dos braços"...

Na construção da dramaturgia do corpo, a diretora e coreógrafa coloca: ”cada corpo será um personagem...Cada corpo aqui contará uma história...” Assim agrega a esses personagens as quadrinhas (ditos populares), as quais foram criadas em outros encontros do grupo. Maria pede para fazeram as quadrinhas no contexto de seus personagens, interagindo com a gaita. Todos fazem esse exercício coletivamente. E são observados atentamente por ela.

Logo após, os atores-bailarinos treinam as ações das quadrinhas nos seus corpos, individualmente, cada um com o seu personagem. Em alguns momentos do ensaio, uns param para observar os outros que estão agindo com a dramaticidade de seus corpos, há muitos revezamentos nesse sentido. Olhares vasculhadores, ressonâncias corporais... Criações que não se dão isoladas, são feitas de gente que se encontra pra dançar.

“Perdido seja para nós aquele dia em que não se dançou nem uma vez!”
(Nietzsche)

Catia Fernandes de Carvalho
Coreógrafa- UFPel
Colaboradora do Núcleo de Dança-Teatro Tatá


SITUANDO...

Sobre a CHULA...

Dança em desafio, praticada apenas por homens. A chula tem bastante semelhança com o lundu sapateado, encontrado em outros Estados brasileiros. No sul, uma vara de madeira denominada lança e medindo cerca de 4 metros de comprimento é colocada no chão, como dois ou três dançarinos dispostos cada um em suas extremidades. Ao som da gaita gaúcha, executam diferentes sapateados, avançando e recuando sobre as mesmas. Após cada seqüência realizada, o outro dançarino deverá repeti-la e em seguida realizar uma nova seqüência, geralmente mais complicada que a do seu parceiro. Assim, vencerá o dançarino que perder o ritmo, encostar na vara ou não conseguir realizar a seqüência coreográfica desafiada pelo anterior.

A chula antigamente era usada durante os bailes, onde dois peões queriam dançar com uma mesma prenda então desafiavam-se, aquele que fizesse o passo, em sapateio, sem erros teria o direito a dançar com esta prenda pelo resto do baile.
Hoje essa dança é mostrada apenas de forma cultural durante eventos, rodeios, etc, porém não podendo repetir o passo, sapateado, de seu oponente.
disponível em: http://www.pampasonline.com.br/Terrasdosul/dancas.htm


Sobre o BORGUETINHO...

Ele foi o primeiro gaúcho a ganhar um disco de ouro por um trabalho instrumental nativista, ainda nos anos 80. Já se apresentou várias vezes no exterior e até em festivais de jazz. Para não perder seu referencial, Borguetinho sempre se apresenta pilchado. "Procuro mostrar o folclore como uma música mais aberta, mas sempre situando o Rio Grande do SUl e o Brasil".
Fonte: Aplauso - Cultura em Revista - set/98
textos de Sean Hagen


A MAGIA DO GAITEIRO

Se alguém, algum dia, ousou dizer que a tradicionalíssima gaita ponto seria um instrumento limitado, é porque jamais imaginou a existência de Borghetinho no universo musical. Gaúcho de cultura enraizada, Renato Borghetti é bem mais do que um dos maiores instrumentistas do Brasil: ele é compositor, músico e inventor- quase um mágico das notas musicais. De seus primeiros experimentos com a cartola, fez surgir em sua gaita simples uma variedade de notas antes inexistentes. E é por entre notas e acordes, que o artista e sua inseparável criação já trilham um caminho reconhecido internacionalmente; com quase 30 anos de trabalho, ele expõe agora o último dos 23 álbuns: Fandango. Do primeiro álbum, gravado em 1984, até o atual, a diferença não está apenas na experiência adquirida. Ele acredita que sem perder a essência gaúcha que o caracteriza, a renovação e a contemporaneidade aperfeiçoam cada vez mais o trabalho. Nascido em berço urbano, na capital Porto alegre, ele garante ter sempre pertencido ao campo: “Meus pais são ligados à cultura tradicionalista. Sempre que posso, estou aqui no campo.” Disse ontem à tarde, por telefone, enquanto andava por terras da Barra do Ribeiro.

MÚSICA GRAVADA NO AR DOS PAMPAS

É lá mesmo, na campanha, que Borghetti decidiu gravar Fandango. Sem a clausura seca dos estúdios musicais da cidade, pela primeira vez o instrumentista quis ousar em novos ares. Com a ajuda de uma equipe de profissionais, foi montada uma espécie de estúdio rural na sala de casa: uma maneira bem gaúcha de fazer música. “Minha música é rural. Por isso, nada mais justo do que gravar aqui. Inverti a mão; trouxe todos os equipamentos pro meio do campo, que é a essência de tudo”, conta, garantindo ter rendido boas surpresas no resultado: “eu acho que a música sempre tem que surpreender no lado positivo da qualidade. Embora tenha sido gravado aqui, ele não teve menos qualidade do que os gravados na cidade. Pelo contrário, foi muito mais confortável musicalmente do que estar dentro dos estúdios.”
Além da orgânica presente no ambiente campeiro, o álbum, também lançado em DVD, trouxe outra novidade: as filmagens documentais realizadas durante as composições das músicas, produzidas quase totalmente lá na Barra do Ribeiro. “ Essa idéia de captar tudo que acontece é muito romântica, mas é perigoso. Corríamos o risco de não estar em um bom dia e não conseguir render bons arranjos”, pondera, entre risos. Por sorte, não foi o que aconteceu: com a inspiração – e a gaita- a seu lado, Borghettinho construiu mais um grande trabalho, junto aos companheiros Vitor Peixoto (piano), Pedro Figueiredo (sax e flauta) e Daniel Sá (violão).

SUCESSO INTERNACIONAL

A fórmula não só deu certo como foi reconhecida dentro e fora do país. Único álbum independente indicado ao Grammy Latino em 2008, Fandango percorreu a Europa sob a bênção de um selo italiano. Assim que cumprir a agenda regional, eles já estão com a viagem marcada: o quarteto instrumental volta aos países europeus, em junho.
Sobre o segredo dos 30 anos de arte tradicionalista, o gaiteiro já sabe como explicar. Com 46 anos de idade, Borghetti retira da infância suas lembranças da primeira gaita ponto presenteada pelo pai, afirmando: “Desde o início fiz música regional, gaúcha. Acho que a gente tem que experimentar, inovar e se atualizar, mas não pode de maneira alguma perder a referência”, acredita, afirmando ser sua essência mais importante do que sua própria figura artística: “De onde tu vens e de onde vem tua música? Essas são as perguntas mais importantes para se fazer a um artista. Não tenho pretensão que ouçam a minha música e identifiquem que é minha. Só quero que a escutem e digam: “Esta é uma música gaúcha!”

Fonte: Diário Popular, quarta-feira/quinta-feira, 21 e 22 de Abril de 2010.