Cheiro
de despedida. O dia de ontem tinha esse cheiro; a sensação nostálgica permeava
o ambiente. A Praça de Pinheiro Machado ficou inundada com esse cheiro. É o fim
de um ciclo e outro já está pra iniciar, e por melhor que vá ser (com certeza será)
ainda resta à nostalgia de um ano corrido como esse. Passamos por muitas
cidades, muitas escolas e teatros com o Dança Simões, e agora, agora ele se
finda. Não é por completo, claro que não, pois ele está vivo dentro de cada um
de nós. Cada cena, cada passo, cada agradecimento está inerente em nós, e
ficará sempre.
Ontem presenciei pela primeira vez a
sensação de ser desrespeitada pelo público, mas mais do que ser desrespeitada,
vi no público a nossa maior crítica do espetáculo; a sociedade ocidental
machista consumista capitalista que inundou o teatro. Em uma das cenas mais
fortes, a meu ver, vi o público quase que se levantando e aplaudindo em pé o
estupro. Como se ele fosse algo que devesse existir. Como se nós, seres
humanos, tivéssemos o direito de intervir e desrespeitar o corpo e os limites
de outros seres humanos. Vi a Andressa gritar e chorar no palco, sem mentira
nenhuma, sem exagero nenhum, estapeando cada um que ousou zombar da cena. Vi ela assumir o papel mais difícil que o ator pode assumir, o mais
verdadeiro, sem sombra de dúvida, mas mais cruel para ela. Me senti violada,
estuprada como ela na cena. Tive vontade de cancelar tudo, parar a apresentação
e dizer, aos berros, como os seres humanos são escrotos. Mas não o fiz. Deixei
que a Andressa jogasse na cara deles quão ruins eles são e ela me mostrou, com
essa atitude, que o mundo não é tão escroto quanto essa parcela de população
demonstrou ser.
Então, ontem, vi também que o
espetáculo choca e incomoda as pessoas. Nós incomodamos essa população quando
fizemos a nossa crítica, eles nos responderam de forma infantil e baixa, mas
nós mostramos. Cumprimos o nosso papel e deixamos no ar a crítica. Pode ser que
tudo tenha entrado por um ouvido e saído pelo outro, que nada que fizemos
tenha, de fato, sido valioso para eles. Mas nós causamos o choque. A arte causa
o choque, esse é o seu maior papel político-social. Saí e saio de cabeça
erguida e acreditando mais ainda na arte na necessidade que ela se faz ter no
mundo. “Nós só sentimos falta daquilo que existe” diz uma grande professora e
amiga que tenho.
O cheiro da despedida ainda inunda o
ambiente. Nos despedimos do Dança Simões nesse contexto, e não haveria melhor
maneira de encerrarmos esse ciclo se não dessa forma, provando o quão revelador
ele é, o quão os contos de Simões Lopes ainda são presentes em nossa sociedade
e quanto é preciso ter arte e fazer arte, para que, através dessa linguagem,
possamos educar o mundo sensivelmente e quem sabe, mudá-lo.
Letícia Lupinacci