O que a arte representa para nós que
trabalhamos com ela? Como nos colocamos quando nos deparamos com uma situação
de conduzir um trabalho, mesmo que momentaneamente? Pretendo descrever aqui um
pouco dessa experiência.
Diferente de trabalhar com pessoas desacostumadas
a exercitar a arte da dança, penso que trabalhar
com colegas a responsabilidade é maior
devido ao prévio conhecimento que estes
já possuem sobre o assunto.
Uma das atividades proposta pela
coordenadora para ser enfatizada neste dia, foi a técnica trabalhada desde o
início do grupo, viewpoints, devido ao fato de que alguns colegas novos ainda
não a conheciam. Deste modo pude externar verbalmente o que corporalmente estou
acostumada a fazer. Como é estar no jogo, ou fora dele, observar, retornar? Ter
vários olhares sobre o mesmo assunto.
Começamos com uma brincadeira de pega-pega para
nos aquecermos. Assistimos três vídeos que o colega Flávio Lima trouxe de
danças folclóricas alemãs e italianas, observando detalhes, acentos, passos
básicos, para nosso próximo espetáculo, trabalho este, que está ainda em
construção.
Iniciei dizendo aos colegas, de uma forma
simples, o que é wiewpoints, o modo como eu entendo, ou seja, as várias
perspectivas ou pontos de vista que espectadores em diferentes locais podem ter
de um mesmo objeto no espaço (neste caso, o corpo do ator-bailarino) e como
esse corpo constrói significados. Se o espectador está tendo, por exemplo, uma
visão lateral ou frontal do bailarino, as percepções serão diferentes.
Começamos caminhando, fui falando para que
estivéssemos focados, percebendo qual nossa trajetória no espaço, de onde e para
onde queríamos nos deslocar e quando essa trajetória mudasse, de fato, estivéssemos
cientes da mudança, o porquê, qual o estímulo que fez com que a mesma
acontecesse. Depois de um tempo nessa exploração, aos poucos, fui acrescentando
variação de velocidade, pausas, nas pausas ou no trajeto algum tipo de
movimento, interação com o colega, copiar o movimento do outro, segui-lo,
formar bando. Utilizei algumas cadeiras como parte do espaço de jogo, alguns
sons (estímulos a partir de barulhos produzidos com as cadeiras).
Na variação de velocidade nos percursos
fiquei pensando em como vejo o grupo
quando estou “jogando”, normalmente corremos, caminhamos rápido ou muito lento.
Não há nuances entre essas variações. Então pedi que houvesse uma maior
variação de como percorrer as distâncias.
Também percebi que com o intuito de modificar o espaço, as vezes
modificamos sempre da mesma forma, porque não ocupar aqueles espaços
“convencionais”? Parece que não querendo ser “convencional” fizemos sempre o
mesmo. Isso tudo fui imaginando enquanto observava os colegas “jogando”.
Ao longo do trabalho pedi que cada um dos
“novos” parasse para observar. Fato que a algum tempo atrás eu não entendia a
razão. Ao mesmo tempo em que se “aprende fazendo”, se aprende observando. Senti muita necessidade que os colegas
observassem uns aos outros, para se perceberem melhor.
Conversamos sobre a percepção que cada um
teve nos momentos em que ficou observando, como se sentiu.
A partir daí passamos para uma atividade
de exploração corporal, buscando criar material para a “ das bagagens”do
espetáculo em construção, “Terra de Muitos Chegares”, tendo como ponto de
partida o wiewpoints. Retomamos alguns resultados de improvisações anteriores.
Trabalhamos com tecidos, grandes, pequenos, coloridos, de texturas diferentes. Surgiram
várias situações, partituras interessantes, que anotei de modo que a ideia não
se perca podendo retornar a ela quando necessário Importante ressaltar que
sempre há uma reflexão sobre o que se improvisou o que observamos o colega
fazer, o que determinada movimentação nos remete? Ação sem reflexão não tem sentido.
Como estamos acostumados a trabalhar em
grupo, uma atividade nem sempre fácil, o processo é colaborativo e neste dia
não foi diferente. Sugestões, opiniões, pontos de vista diferente sobre o que
está se construindo foram conversados.
Éramos poucos nesse dia. Não sei se devido
ao número reduzido, estávamos bastante concentrados, o sentido cinestésico
funcionou bastante. Me fez lembrar alguns ensaios onde a coreógrafa nos ressalta que “não estamos
presentes, inteiros” e o quanto é perceptível quando estamos mergulhados, de
fato, em um exercício.
Concluo dizendo que criação em arte é trabalhosa
como qualquer outra atividade que encaramos com seriedade. Trabalhar em grupo,
buscar soluções criativas, envolve desprendimento, paciência e muita paciência.
Se responsabilizar por organizar uma situação de ensaio também não é fácil.
Gessi Konzgen
Aprendo observando, inclusive este texto!
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